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Cisco no olho, bocejo, emoção: temos lágrimas diferentes para cada ocasião

26/03/2024 às 17:15

Seja uma gota ou uma enxurrada, as lágrimas que saem dos nossos olhos não são sempre iguais. Tem lágrima que nem escorre pelo rosto. Embora tenha um pequeno volume, sua composição é complexa e varia conforme o tipo de estímulo recebido.

Para começar, temos três tipos de lágrimas:

Lágrima basal: é o filme lacrimal que fica em contato permanente com a superfície dos olhos. Sua produção é constante, a uma média de 1 a 2 microlitros por minuto. Essa lágrima tem a função de proteger os olhos do ambiente externo, lubrificar e estabilizar o globo ocular, além de fornecer nutrientes e ajudar na visão.

Lágrima reflexa: é aquela produzida em resposta a um componente irritante, como poeira, inseto, produto químico, o gás formado pelo corte da cebola ou durante o bocejo e tosse excessiva. Nesse tipo, a quantidade produzida é maior do que na basal, com o objetivo de eliminar a substância incômoda.

Lágrima emocional: é expelida quando choramos devido a alguma emoção, seja alegria, tristeza, raiva ou orgasmo. Ela ocorre pela ativação do sistema límbico (associado às emoções), que se comunica com o sistema lacrimal.

Composição das lágrimas

A maior parte (98%) da lágrima é composta por água. Sua estrutura se divide em três camadas:

Camada interna: é formada por mucinas, um tipo de proteína que ajuda na adesão da camada aquosa ao olho, para que ela fique estável e mantenha o globo ocular sempre lubrificado. Também é composta por imunoglobulinas (anticorpos), ureia, sais e glicose.

Camada intermediária: é essencialmente aquosa, com aquela função de lubrificar e proteger. Sua composição inclui proteínas, metabólitos, sais inorgânicos, glicose, oxigênio e eletrólitos (magnésio, bicarbonato, cálcio, ureia). Todos os componentes ajudam a manter a saúde da superfície ocular e eliminar detritos e toxinas

Camada externa: é a barreira lipídica (de gordura) contra o ambiente externo e que protege a camada aquosa para que ela não evapore. É composta por colesterol, ésteres de cera, ácidos graxos e fosfolipídios. Estudos já identificaram mais de 600 tipos de lipídios nessa faixa superficial da lágrima.

Essa divisão em camadas não é totalmente delimitada. Na prática, há sobreposição e mistura entre elas. “A grande maioria do filme lacrimal é uma fase aquosa contendo várias concentrações de mucina dependendo da camada e uma fina camada lipídica superficial”, indica um artigo de 2023.

Uma lágrima para cada ocasião

Essencialmente, toda lágrima é fruto das camadas já mencionadas e seus componentes variados. Mas a quantidade total de proteínas, lipídios e imunoglobulinas, por exemplo, varia.

O conteúdo de proteínas e lipídios é mais alto nas lágrimas basais.

As lágrimas reflexas têm composição semelhante às basais, com uma ou outra proteína mais elevada. Considera-se que elas tenham mais anticorpos para ajudar a defender os olhos do agente irritante.

Já as lágrimas emocionais teriam uma composição mais rica do que as demais, com hormônios como prolactina, ACTH, testosterona e leucoencefalina.

Uma hipótese é que essas substâncias liberadas sob estresse emocional (positivo ou negativo) ajudariam a regular o organismo, dando sensação de conforto.

Em 1981, o bioquímico William H. Frey II publicou o resultado de um estudo que avaliou a composição das lágrimas reflexas (coletadas após a exposição a cebolas recém-cortadas) e emocionais (depois que os participantes assistiram a filmes tristes.

Nas mulheres, a concentração de proteínas nas lágrimas emocionais era 21% superior a das induzidas por um irritante.

O pesquisador não encontrou diferença significativa na concentração de proteína ao comparar lágrimas de homens e mulheres induzidas pelo mesmo estímulo.

No entanto, os estudos sobre lágrimas emocionais entram em conflito e ainda não há uma confirmação sobre seu papel na saúde mental e física.

Diagnóstico pela lágrima?

Algumas pesquisas sugerem a possibilidade de diagnosticar doenças como câncer de mama e Parkinson por meio da análise das proteínas lacrimais.

É uma possibilidade, visto que o epitélio da córnea pode expressar alguma alteração provocada por doença genética. Mas nada com robusta comprovação ainda e que possa ser implementado no presente.

O que se tem estabelecido hoje é identificar doenças por meio da identificação de alterações na retina. Essa membrana ocular se conecta com o cérebro e doenças como hipertensão craniana e Parkinson podem dar sinais por meio dela.

Ausência de lágrimas

Existem três tipos de lágrimas, mas há pessoas que não produzem nenhuma delas. Elas são afetadas pela síndrome do olho seco, um problema na produção ou qualidade da lágrima que faz ressecar os olhos.

Há, ainda, doenças que afetam as glândulas produtoras de lágrimas, tornando-as incapazes de produzi-las.

A síndrome do olho seco pode ser causada por:

Diminuição na produção de lágrima, algo comum com o avançar da idade, pois a glândula lacrimal principal reduz sua ação.

Rápida evaporação da lágrima, caso haja algum comprometimento com a barreira lipídica ou glândulas oculares que produzem gordura. Uso constante de telas também deixa os olhos mais secos, porque tende-se a piscar menos.

Doenças como síndrome de Sjögren e síndrome de Stevens-Johnson alteram a quantidade da lágrima e deixam o olho menos lubrificado ou sem lágrima.

Colírio não é simples

Ao sentir o olho seco, as pessoas podem ficar tentadas a buscar um colírio na farmácia, mas oftalmologistas são incisivos: colírio é remédio. Como tal, precisa de avaliação médica prévia e indicação personalizada.

Hoje, existe uma variedade de colírios no mercado: com ácido hialurônico, com carboximetilcelulose, uns que tratam a superfície ocular, outros com componente lipídico, substância para desinflamar e outras finalidades. É diferente dos comumente encontrados antes com o objetivo apenas de repor a camada aquosa.

Assim, o colírio é parte de um tratamento e qualquer sinal de alteração ocular deve ser seguido por uma consulta com oftalmologista.

E atenção ao soro fisiológico. Ele não deve ser usado para lubrificar os olhos, porque é composto por água e sal e acaba “lavando” componentes que são importantes para a estabilização do filme lacrimal. Em alguns casos, pode deixar o olho mais ressecado.

Para evitar o olho seco:

Lembre-se de piscar mais vezes se você usa telas com frequência;

Faça pausas para sair da frente do computador ou deixar o celular de lado;

Em ambientes secos ou com ar-condicionado, a sugestão é usar um umidificador;

Fontes: Myrna Serapião, oftalmologista do Hospital de Olhos e diretora médica da Rede Vision One; e Tiago César Pereira Ferreira, oftalmologista, professor de cirurgia oftalmológica na Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais.